Art of Atari – O Poder da Imaginação nos Videogames
“Na mente do jogador, a arte do rótulo estaria eternamente ligada ao artefato digital dentro do cartucho”, são as palavras, em livre tradução, de Ernest Cline, autor e roteirista que escreveu “Ready Player One” e se tornou conhecido no Brasil devido ao filme de Spielberg, lançado como “Jogador Nº 1”.
Ao ler o prefácio de “Art of Atari”, escrito por Cline sobre o livro de Tim Lapetino, as palavras me soaram muito familiares. Não é somente opinião de Cline, mas também de Lapetino, que as imagens reproduzidas em toda memorabilia do mundo Atari ficaram gravadas profundamente no subconsciente dos jogadores e fãs do rei dos consoles.
A imediata conexão que fiz ao ler cada palavra do livro foi uma grata surpresa. Eu discorri exatamente sobre este tema na minha participação no documentário “1983 – O Ano dos Videogames no Brasil”, 2017, do meu amigo Marcus Garret, mas, até então, de todos os entrevistados do projeto e com muitas amigos colecionadores com quem já conversei, nunca senti ser dada muita importância a este aspecto em particular do cenário vintage da indústria dos videogames. Eu sempre tive a impressão de que este era um aspecto particularmente valorizado por mim, até ler o livro.
Em tempo, “Art of Atari” é conhecido na comunidade gamer por trazer imagens ampliadas das embalagens, manuais e rótulos dos cartuchos de Atari, sendo uma experiência visual enriquecedora. O que eu não imaginava é que traria uma dose tão forte de conhecimento e história.
Tim Lapetino, autor do livro, respondeu a um pedido de entrevista que fiz e falou algumas palavras a respeito da construção do livro:
É gratificante saber que tantas pessoas, incluindo você, Antonio, se identificaram de verdade com o livro. Foi um trabalho de amor que nasceu da minha própria história com a Atari, mas também de um desejo de preservar esta arte. É triste saber que boa parte da arte original está espalhada pelo vento ou destruída, então eu quis preservar e contar a história de uma parte da grande arte e design da Atari. Um livro me pareceu a melhor forma de fazê-lo.
A importância do marketing e do design para a Atari
O que mais me surpreendeu foi aprender que o design da Atari, de forma geral, tinha importância paradoxal para a empresa, sendo tratado com um profissionalismo poucas vezes visto, até mesmo em grandes empresas dos dias de hoje. De fato, a Atari levava o design tão a sério quando a Apple, duas empresas da Califórnia que compartilhavam de alguns valores muito parecidos.
Curiosamente, toda a era de videogames domésticos que surgiu a partir do lançamento do Atari 2600 deve-se justamente ao capitalismo desenfreado que nutriu as decisões da Warner, logo após comprar a companhia. Nolan Bushnell, cofundador e visionário por trás da Atari, bateu de frente muitas vezes com a visão conservadora da Warner, que preferiu lançar o 2600 com recursos simplificados, porém com possibilidade imediata de adquirir escala de produção. Entretanto, foi a metodologia da Warner que levou a Atari a investir maciçamente na contratação dos melhores profissionais da época e montar uma equipe de criação de proporções jamais vistas até então.
Tudo começa pela importância que foi dada ao icônico e lendário logotipo da Atari. Com um prazo de 6 meses para criação, algo impensável nos dias de hoje, George Opperman, em sua própria agência antes de ser contratado pela Atari, fez mais de 50 modelos para que a marca fosse finalmente escolhida. A Atari pagou USD 3,000 pela criação, o que equivale a cerca de USD 12,000 em data atual. O livro também revela fatos curiosos, como o de que a Warner gastou, logo após a compra da empresa, cerca de USD 100,000 (ou USD 400,000 em valores atuais) em uma pesquisa de mercado para avaliar a aceitação da marca, o que, obviamente, retornou como positiva.
A história do design por trás das embalagens e conceitos gráficos é ainda mais interessante. Uma crítica muito severa comumente feita à Warner (especialmente por ex-colaboradores) partia do fato de que os títulos dos jogos eram pensados antes mesmo da programação do código. Com base em pesquisas de mercado, a equipe corporativa da Warner concebia títulos que os consumidores gostariam de ver nas prateleiras, encomendava a programação do jogo e solicitava a concepção artística, cada qual para seu respectivo departamento. Desta forma, muitos designers iniciavam a criação sem ter a mínima ideia de como seria o game.
Por outro lado, esta mesma Warner concebia um prazo de semanas para a criação completa do conceito artístico, novamente, um luxo nos dias de hoje. Devemos lembrar que todo o processo de criação era manual, sem qualquer software ou computador. Um designer tinha plena liberdade artística para sua criação, recebendo briefing completo e feedback construtivo da equipe de marketing. Algumas vezes, mais de um profissional desenvolvia a arte para o mesmo jogo, havendo um vencedor que era escolhido.
A equipe de criação da Atari chegou a ter 70 pessoas, um número astronômico para os padrões da época. A Atari teve que reinventar processos de fabricação, e o design tinha que ser pensado levando em conta a capacidade produtiva da época. Havia muito poucas gráficas e produtoras de embalagem capazes de atender às demandas de volume da empresa, que muitas vezes tinha que dividir uma produção para 2 ou 3 fornecedores diferentes.
O livro é riquíssimo em detalhes sobre o dia a dia destes sortudos profissionais, trazendo rascunhos, memorandos, briefings e ordens de serviço que eram excessivamente detalhados, em um belo exemplo de padrão corporativo. O profissional da época precisava ter conhecimento de todo o processo produtivo, possuir qualidades de organização e muito rigor na revisão final do produto. Uma leva de impressão da Atari poderia facilmente passar de um milhão de cópias.
Um verdadeiro tributo – imperdível para o fã
Art of Atari é, sobretudo, um belíssimo tributo e tocante homenagem aos profissionais por trás da criação das embalagens, que não recebiam qualquer identificação na época. George Opperman, Cliff Spohn, Susan Jaekel, Regan Cheng, Fred Thompson, Hiro Kimura, Warren Chang, James Kelly, Terry Hoff, Evelyn Seto e muitos outros criativos eram, até então, desconhecidos da maioria de nós.
Justiça tardia seja feita aos nomes que fizeram a representação gráfica da fantasia criada por tantos jogos em nossas infâncias e adolescências.
Jogar Atari era uma experiência imaginativa que envolvia não somente mexer um pixel na tela. A modesta capacidade do videogame que mudou a história só se realizava completamente quando unificada com a fantasia concebida pelas embalagens, cartuchos e manuais. Ao mentalizar as ilustrações, os adolescentes da época se imaginavam como guerreiros combatendo dragões, pilotos dos carros mais velozes ou comandantes de espaçonaves nos confins do universo.
Ainda, segundo Tim Lapetino, com exclusividade para este blog:
Para mim, a arte do Atari não é somente sobre videogames, mas sobre aquela combinação de arte e design com cultura popular. Eu sou um designer por profissão, então eu acabo sempre olhando as coisas sob esta ótica. A Atari tinha uma cultura criativa que é frequentemente ignorada, e eu queria jogar uma luz sobre o assunto e sobre estas pessoas que eram frequentemente deixadas de fora das atenções. Eu acredito que tivemos sucesso.
Atari jogava-se com imaginação e coração. Leia o livro, volte no tempo e relembre o que o 2600 significou para toda uma geração.
Quando vi a edição limitada, em formato de cartucho e com luva em formato de caixa de jogo, comprei na hora. A Activision fez os jogos com melhores gráficos para o Atari 2600, a Atari fez as melhores artes para vender os jogos e, para mim, a Imagic está no meio do caminho com os melhores jogos, depois da Activision, e as melhores artes, depois da Atari. Obrigado por compartilhar os pensamentos do autor do livro.
Olá Alexandre. Valeu, obrigado pelo comentário!!! É bem verdade isso!